terça-feira, 18 de julho de 2017

- Hum...A Bruxa de Évora?! - disse olhando para a tela do meu monitor.
- Estou terminando a capa para o vídeo. Ficou boa?
- Ficou, tá igual do livro mesmo. Mas quem é essa bruxa?
- Alguns dizem que foi companheira do São Cipriano em seus bruxedos...
- Ih, cruz-credo, então deixa pra lá!

...


Atualmente, um dos principais assuntos que circulam pela mídia internacional gira em torno de uma religião em específico: o Islamismo. Os subtópicos sequentes a este tema variam da imigração de refugiados de guerra - e a discussão frequente sobre a responsabilidade dos países europeus em abrigar estas pessoas -,  aos atos fundamentalistas praticados por certos religiosos - chamados frequentemente de terroristas e taxados como não representantes do suposto pacifismo ensinado através das suratas de seus livros sagrados. 



A propaganda do medo misturada ao uso do terror - em ambos os lados - tem deixado os mais impressionáveis tementes por suas próprias vidas, e os pessimistas, certos de que estamos nos encaminhando para uma terceira guerra mundial. Entretanto, o que pouca gente sabe é que o avanço do Islã para o continente europeu não é exatamente uma novidade, e já aconteceu em momentos outros. 

O século era o VIII, o local, a Península Ibérica, e os povos, portugueses, espanhóis e mouros que entre querelas políticas e estranhamentos religiosos, antagonizavam posições e se digladiavam por disputas territoriais naquela região. Alguns séculos passariam e com eles um histórico de contendas que culminaria na vitória dos cristãos europeus sobre os muçulmanos africanos. Mas não sem que ambos os lados se influenciassem de maneiras profundas, a ponto de até os dias de hoje, língua, culinária, arquitetura, comportamento, ciência e genética serem provas vivas de que a guerra, inevitavelmente, tem o poder de  transformar.



A transformação decorrente destes momentos históricos tem força tamanha que não atua apenas sobre os elementos físicos daquilo que temos ou construímos, mas também sobre aqueles aspectos mais obscuros da nossa realidade, afetando de forma especial nossos medos, anseios, e gerando com isso em muitos casos, histórias fantásticas que atravessam gerações e desafiam a racionalidade de crédulos e incrédulos, com relatos que misturam ficção e realidade num amálgama contado com tamanha devoção, que nos fazem dar uma chance para a dúvida.



Pois então façamos isso. Demo-nos a oportunidade de pensar numa mulher, negra, descendente daqueles primeiros conquistadores africanos, muçulmana e bruxa,  que tenha vivido há mais de 700 anos atrás em Portugal e que tenha marcado de tal forma aquele país que cruzou séculos, continentes e chegou ao Brasil para fazer parte da nossa religiosidade popular. Pare, por um segundo apenas, e se dê a chance de pensar: será?


A BRUXA DE ÉVORA é um livro escrito por Maria Helena Farelli, com 115 páginas, divididas em 15 capítulos, lançado no ano de 2002 pela editora Pallas. 


A abordagem inicial da autora é essencialmente histórica, e nos fala sobre a resistência dos portugueses as mudanças de perspectiva religiosa ocorridas em toda a Europa na Idade Média, com o Renascimento, e sobre o Romantismo vivido através das Ordens de Cavalaria, repletas de seus cavaleiros, vivendo num mundo de formalidades e aventuras, magias e seres extraordinários - frequentemente imaginados -, que andavam pelo mundo em busca de algum sentido nobre para viver.

Situada no tempo do rei Henrique Afonso, os relatos sobre a Bruxa misturavam-se as tantas outras histórias fantásticas, trazidas e contadas pelos peregrinos de diversas classes, tornados ao solo lusitano após suas Cruzadas pela Terra Santa.  De uma maneira pouco aprofundada, a autora nos traz um apanhado geral sobre aquela realidade, e preocupa-se inicialmente em dar uma visão mais histórica sobre o contexto daquele período.

A Bruxa de Évora, ou Moura Torta, como também é conhecida, surge em meio a todo este contexto. Supomos que - em função da referência - seja oriunda da pequena cidade portuguesa chamada Évora, capital do Distrito de mesmo nome, localizada na região do Alentejo, que possui uma interessante herança histórica, com seus monumentos e colunas de templos pagãos ainda de pé, remanescentes do período de ocupação romana. Portanto, é importante que você saiba que Évora não é o nome da Bruxa, mas sim uma provável referência do local de onde ela supostamente veio.

A partir deste ponto, através das mãos da autora, fatos misturam-se a mitos e os relatos, que mantém o cenário realista como pano de fundo, começam a ser preenchidos pelas descrições fantasiosas de uma bruxa solitária que, apesar de bem instruída e letrada, conhecedora do Corão e oraculista, curava doentes e rezava por eles, mas vivia a espreita e fugindo da Igreja por medo de seus monges e de burgueses, desaparecendo mágica e instantaneamente quando ameaçada, transformando-se em animais ou voando pelos céus em cima de vassouras com seu familiar inseparável; um mocho.

Perceba que a ideia de uma bruxa má, sedenta por sangue e ávida para sacrificar recém nascidos em missas negras comandadas por bodes bípedes, parece não encontrar fundamento aqui.

Com a chegada dos portugueses ao Brasil, fala sobre a vinda da mesma por estas terras como alma penada e a fusão de suas histórias com uma personagem conhecida e temida pelos indígenas que aqui estavam: a Matinta-Pereira. A bruxa portuguesa, que era uma bruxa moura, agora também era uma bruxa brasileira, que com o passar dos anos ganharia seu espaço no Catimbó e na Umbanda, religiões que em parte emprestam suas crenças e métodos para os feitiços e orações ensinados nos últimos capítulos da obra.

Segundo a lenda, em tempos outros, existira um livro chamado "O Livro de Orações da Bruxa de Évora", as quais rezas são apresentadas para serem repetidas até o cansaço, textos estes que em alguns casos mais se parecem com poesia, do que tecnicamente com magia. Em seguida, " Os Feitiços da Bruxa", trazem receitas de magias diversas, que variam de fórmulas para abrir os caminhos, passando por trabalhos com gatos pretos para amor e remédios contra vermes, até rezas para fechar o corpo.

Este é um livro curto e contém informações básicas sobre um período prévio a chegada dos portugueses ao Brasil, que com os devidos ganchos, podem servir de introdução para pesquisas mais aprofundadas. Mas não se deixe levar pelo mítico: os relatos sobre a Bruxa carecem de qualquer prova histórica, e sua presença física neste mundo pode nunca ter sido real. A bibliografia apresentada pela autora não apresenta qualquer documento ou referência que ateste o contrário, mas esta também não parece ser uma preocupação deste título.

Grande parte de seus capítulos são dedicados a este misto de realidade com fantasia, que lhe serão muito mais proveitosos se encarados como leitura de entretenimento, que para fundamentar seus argumentos sobre a existência da tal Bruxa.


Em tempo, as histórias sobre a relação da Bruxa de Évora com seu suposto companheiro de malvadezas, cá não encontram conexões. São Cipriano, dito como tendo vivido no século III, nem mesmo se tivesse sido contemplado pelo fenômeno de um Corpo Incorrupto, resistiria a tantos séculos até encontrar a Bruxa nos idos do século XIII.

E aqui, obviamente, falamos em termos de racionalidade e vida real, pois bem sabemos que para as lendas, crendices e mentiras populares, tudo, absolutamente tudo, é possível.

por Allan Trindade



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